Em meio à profusão de conteúdos em serviços de streaming, um documentário chama a atenção de espectadores e críticos e propõe uma discussão sobre a proteção de animais invertebrados.
Em “Professor Polvo”, disponível na plataforma Netflix, acompanhamos os mergulhos em apneia de Craig Foster nas águas geladas de uma baía remota no extremo sul da África do Sul. Nos primeiros dias da jornada de mais de um ano, o mergulhador aproxima-se de um polvo e vai, aos poucos, ganhando sua confiança.
Graig refere-se carinhosamente ao animal como “ela” (she, em inglês), apesar de não haver evidência de que se trata de uma fêmea. O que importa é que o mergulhador e o polvo estabelecem uma relação e vemos o molusco tocar as mãos de Graig com suas ventosas e aninhar-se sobre seu tórax. Observamos a rotina do animal: seus disfarces para se proteger de predadores, as incursões para obter alimentos e uma cena plástica em que brinca com um cardume de peixes. Num momento de tensão extrema, um tubarão ataca e mutila o polvo, que fica ferido, mas sobrevive.
Os acontecimentos desenrolam-se numa floresta de algas. As imagens são exuberantes, captadas pelo cinegrafista Roger Horrocks. Mesmo se não houvesse história, o documentário já valeria a pena por revelar a beleza da flora e fauna submarina da região.
Mas a história da relação entre Craig e o polvo torna o filme especial. O mergulhador relata em entrevistas que a experiência com o animal o ajudou a superar um período de depressão e repensar o relacionamento com o filho Tom, que aparece em vários mergulhos ao lado do pai. Nas palavras de Greg, o “professor polvo” o fez também compreender que os humanos são parte da natureza, e não apenas visitantes.
A senciência (capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma consciente) evidenciada pelo polvo no documentário joga luz sobre o debate a respeito da legislação que regulamenta o uso de animais para fins científicos. No Brasil e na maioria dos países ocidentais, as leis protegem apenas os vertebrados por considerá-los dotados da capacidade de ter experiências subjetivas como dor e sofrimento.
No estudo “Legislação de proteção animal para fins científicos e a não inclusão dos invertebrados – análise bioética”, publicado em 2014, os Biólogos Elna Mugrabi Oliveira e José Roberto Goldim ressaltam a senciência em invertebrados como cefalópodes e decápodes.
Os autores defendem a necessidade de uma análise bioética para fundamentar a inclusão desses animais na legislação. Enquanto a análise não for realizada, eles sugerem que a utilização dos invertebrados para fins científicos seja criteriosa e responsável.
(Publicado em 19 de outubro de 2020)