Horacio Teles, Biólogo Conselheiro do CFBio e registrado no CRBio-01, é pesquisador científico da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen).
Nesta entrevista, comenta o pré-planejamento do Ministério da Saúde para a campanha de vacinação contra a Covid-19, o desenvolvimento e eficácia das vacinas e o que chama de “normal desejável”.
P: O secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, disse na quinta-feira (8) que o Brasil tem a previsão de oferecer, ao menos, 140 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 no primeiro semestre de 2021 e que os primeiros vacinados serão os idosos, pessoas com morbidades e trabalhadores de saúde. Como o senhor avalia esse planejamento?
R: A estratégia de buscar um estoque de doses antecipadamente está correta. Não existe a possibilidade de cobertura integral da população em nenhum país, por isso é importante o estabelecimento dos grupos prioritários.
P: O Ministério anunciou também que fará o cadastramento das pessoas vacinadas pelo CPF. É a melhor forma?
R: Quem receber a dose será monitorado para o caso de algum efeito colateral importante, permitindo que o contato entre o governo e o vacinado seja imediato. É uma inovação boa, porque facilita a rapidez no caso de uma intervenção necessária. O CPF é uma boa escolha de documento, pois é o que a maioria da população possui, inclusive crianças.
P: Que vacinas estão em fase de desenvolvimento mais avançada?
R: As primeiras vacinas que devem cumprir a terceira fase de testes – fase que comprova a segurança – são a do Butantan e a da Oxford. São as mais promissoras.
A grande questão é a necessidade de antecipação dessa etapa de segurança, que está sendo realizada o mais rápido possível. As vacinas mais rápidas que já tivemos levaram pelo menos cinco anos para serem validadas. Como a Covid-19 é um problema de repercussão importante na população mundial, precisou-se dar um avanço nisso. O mundo inteiro foi afetado e há um esforço mundial de união contra o novo coronavírus. E isso é uma situação inédita.
P: As pessoas vacinadas ficarão completamente protegidas?
R: Infelizmente ainda não temos vacinas em desenvolvimento que deem proteção total contra o novo vírus. Mesmo as vacinas mais tradicionais não conferem 100% de imunidade. Cada uma tem sua eficácia.
O objetivo da vacinação, de modo geral, é reduzir ao máximo possível a chance de um doente passar o agente infeccioso para outra pessoa. À medida que vão se desenvolvendo os programas de vacinação, essas chances vão diminuindo cada vez mais.
Nenhuma das vacinas contra a Covid-19 com resultados preliminares confere imunidade superior a 50%. Esse índice já seria muito bom, porque reduziria a chance de um doente encontrar com uma pessoa sadia.
P: As vacinas em desenvolvimento preveem a aplicação de duas doses para imunização completa, certo?
R: Correto. O sistema vai ter que se preparar para desenvolver a campanha da segunda dose. O acompanhamento pelo CPF vai permitir a redução do desfalque na segunda etapa, pois vai haver o cadastro dos vacinados e vai se saber quem deixou de tomar a segunda a dose. Será possível promover a segunda dose diretamente com o cidadão, melhorando as falhas de cobertura. É um sistema mais eficiente do que o utilizado atualmente, da carteirinha de vacinação. Embora esse acompanhamento não seja uma tarefa simples, a informação em tempo real vai permitir um trabalho melhor de prevenção.
P: O Brasil tem mais de 210 milhões de habitantes. Conseguiremos vacinar todos?
R: Não sabemos como vai ser a logística. Podemos ter as doses disponíveis, mas a questão logística pode fazer demorar a aplicação. Uma vez conhecida a segurança da vacina desenvolvida, imediatamente se organiza o plano de logística, que deve ser divulgado entre novembro e dezembro deste ano. A logística envolve treinamento de pessoal, armazenamento e distribuição das doses e diversas outras questões.
P: Com a vacina, o mundo volta ao normal?
R: A vacina não é a bala de prata. Mesmo que a vacinação comece nos primeiros meses do ano que vem, vamos terminar 2021 com o novo coronavírus ainda andando por aí. Vai ficando mais simples, ano após ano o controle da doença vai aumentando. Mas a Covid-19 veio para ficar durante um longo tempo.
Mesmo após tomar a vacina, vamos precisar continuar com as medidas de segurança, porque nem todos vão ficar imunizados. Essas práticas de higiene, de evitar aglomerações, utilizar a máscara, tudo isso deverá continuar, mesmo com a chegada da vacina. É preciso criar uma consciência coletiva de que isso não tem a ver só com a Covid. Não tem isso de “novo normal”. Tem o normal desejável. Esse comportamento de cuidado com o espalhamento de doenças e de preocupação com a higiene sempre foi desejável.
(Publicado em 9 de outubro de 2020)