A Bióloga Edlaine Faria de Moura Villela conta sobre o ICPCovid, estudo comportamental internacional coordenado por ela no Brasil.
O ano de 2020 tem sido muito diferente para quase toda a população mundial. Medidas restritivas que vão desde o fechamento de escolas e centros comerciais até o adiamento de eventos internacionais, como as Olimpíadas, têm sido implementadas ao redor do mundo desde janeiro, em razão da transmissão pandêmica do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Embora o número de casos confirmados de pessoas infectadas com a COVID-19 siga crescendo globalmente, vários países já começaram a flexibilizar as restrições estabelecidas.
Mas como têm se comportado as pessoas, numa perspectiva mais individual?
É certo que a pandemia mudou os planos de muita gente este ano. E com a Bióloga epidemiologista Edlaine Faria de Moura Villela (054702/01-D) não foi diferente. Docente da Escola de Medicina da Universidade Federal de Jataí, em Goiás, ela foi aprovada em um edital para estudar na Bélgica a oncocercose, doença transmissível causada por um verme parasita, junto ao professor Robert Colebunders, da Universidade de Antuérpia.
Mas, por conta da pandemia, a pesquisa foi interrompida e o professor Colebunders passou a desenvolver outro estudo, relacionado justamente àquilo que tem transformado realidades: a COVID-19.
A partir de um consórcio formado por 20 países, o estudo "International Citizen Project Covid-19 (ICPCovid)" surgiu com o objetivo de entender se as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas autoridades locais para conter a disseminação do novo coronavírus estão sendo seguidas pela população.
Edlaine foi, então, convidada pelo professor a coordenar o projeto no Brasil, contando com uma rede de 25 colaboradores nos estados de Goiás e São Paulo.
“Como é tudo novo para todo mundo, é aí que entra o papel da ciência. Temos que observar o comportamento das pessoas, o que está dando certo e o que não está para tentar orientar as autoridades de saúde a tomar as decisões mais efetivas para o controle da doença”, explica a Bióloga, que é Pós-Doutora em Avaliação de Políticas de Saúde Pública e atuante no ensino de Epidemiologia, Saúde Coletiva, Comunicação em Saúde, Metodologia de Pesquisa e Bioestatística.
Para acompanhar a evolução da doença em cada país, o estudo “ICPCovid” mapeia o comportamento da população em diferentes momentos através de questionários online.
No Brasil, a primeira etapa da pesquisa aconteceu de 3 a 9 de abril. Atualmente na quarta etapa, as informações seguem sendo coletadas em intervalos regulares para monitorar as mudanças de comportamento e os indicadores gerais ou em grupos populacionais específicos.
Com quem você mora atualmente? Está trabalhando exclusivamente de casa? Mudou de residência por conta da pandemia? Você usa máscara facial quando precisa sair de casa? Quando foi a última vez que você deu um aperto de mão, beijou ou teve alguma forma de contato físico com alguém que não seja uma pessoa que convive com você na mesma casa?
Essas são algumas das perguntas que os voluntários deverão responder na fase atual da pesquisa.
Mais de 30 mil questionários já foram preenchidos e as respostas coletadas desde a primeira etapa têm trazido importantes reflexões sobre o impacto do distanciamento social na vida dos brasileiros.
“O estudo tem mostrado que o isolamento tem sido respeitado pela maioria, pois mais de 50% passaram a trabalhar em casa diante da pandemia, o que pode ter contribuído para atrasar o pico da pandemia no Brasil. 57% relatam não ter tido nenhum contato com pessoas fora de casa há mais de uma semana. Em contrapartida, 26% consideram que sua saúde mental está ruim”, informa Edlaine sobre os resultados preliminares do estudo.
De acordo com a pesquisa, em relação às medidas preventivas individuais, a maioria dos participantes demonstrou aderir a medidas de higienização das mãos de forma satisfatória (93%). Observou-se, ainda conforme o estudo, um aumento do uso da máscara facial, comparando os dados entre as três fases da pesquisa já realizadas. No início de abril, 45,5% não utilizavam, no final de abril 10% e após a primeira quinzena de maio, apenas 3% afirmaram não utilizar.
“A partir da terceira fase, em maio, começamos a investigar pessoas diagnosticadas com COVID-19. Descobrimos que 32% dos participantes apresentaram sintomas gripais na primeira quinzena de maio. Pelo menos 7,1% tiveram contato com um caso confirmado. Do total de participantes, apenas 143 foram testados para a COVID-19. 12,6% deram positivo e, para estes, apenas 30,8% dos contatos rastreados foram testados. 65% foram tratados em casa e apenas 19,8% foram colocados em quarentena”, relatou a Bióloga, que diz ser perceptível o impacto nos resultados do estudo em face das mudanças nas diretrizes emanadas pelo Ministério da Saúde e pelos governos estaduais e municipais.
“Um resultado que chamou nossa atenção é que pessoas apresentaram maior preocupação com a própria saúde no final do mês de abril, no entanto observamos uma queda nessa preocupação na terceira fase, que ocorreu entre 15 e 20 de maio”, destacou a coordenadora do estudo.
A Bióloga diz que a coordenação da pesquisa tem sido, também, uma oportunidade de aprendizado pessoal. “Tem sido dada uma maior atenção para as desigualdades sociais presentes no país. Enquanto temos preocupações pontuais, existem pessoas que não têm como fazer a higienização das mãos porque não têm água. É uma oportunidade de abrirmos os olhos para muitas doenças que já vem acontecendo há muito tempo e que ninguém dá a devida atenção”, defende Edlaine.
“O objetivo geral da pesquisa é que sejamos capazes de reconhecer o perfil da pandemia no Brasil, contribuindo para melhorar nosso cenário atual, e futuramente compará-lo com os perfis dos demais países envolvidos”, completa a Bióloga.
Apoie a ciência participando do estudo! Todos podem participar, independente de terem respondido os questionários nas fases anteriores. Para acessar o questionário, clique aqui.