Biologia em pauta

Presidente da APAZA conversa com o CRBio-01 sobre o PL 30/2019 da Câmara Municipal de São Paulo

Lei

Em razão da aprovação na Câmara Municipal de São Paulo do Projeto de Lei nº 30/2019 - que dispõe sobre normas de funcionamento dos zoológicos e aquários situados no município de São Paulo -, o Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01) entrevistou a presidente da Associação Paulista de Zoológicos e Aquários (APAZA), a Bióloga Mara Cristina Marques.

A Bióloga aponta as contradições e problemáticas que permeiam o texto do projeto de lei, que ainda segue pendente de sanção ou veto do prefeito Bruno Covas, e ressalta a importância dos zoológicos e aquários para a conservação da fauna e para a pesquisa, a divulgação científica e a educação ambiental.

CRBio-01: Como presidente da APAZA, como você enxerga, de modo geral, o projeto de lei? Houve participação de especialistas na sua elaboração?

Mara Cristina: Enxergamos com preocupação o Projeto de Lei nº 30/2019. Considerando o fato de que os zoológicos no mundo todo estão em processo de transição de instituições puramente expositivas e de entretenimento para centros de conservação comprometidos com a conservação da biodiversidade, a difusão de conhecimentos, pesquisa, capacitação profissional, manejo, educação para conservação e bem-estar animal, propostas desta natureza podem comprometer os avanços conquistados na área da conservação.

CRBio-01: Houve participação de especialistas na sua elaboração?

Mara Cristina: Não temos conhecimento da participação de técnicos e especialistas da área de manejo em zoológicos que tenham participado da construção desta proposta - pois conseguimos observar que o conteúdo está muito aquém e simplista do verdadeiro papel dos zoológicos modernos. Embora as associações de zoológicos (APAZA e AZAB) sempre tenham se colocado à disposição para contribuir na construção de uma proposta coerente, não fomos procurados.

CRBio-01: De que forma a aprovação da norma prejudicará as ações de conservação de fauna?

Mara Cristina: Consideramos a aprovação do PL30/2019 um retrocesso, que vem na contramão dos avanços de conservação os quais estão gerando bons resultados e salvando espécies da extinção.

CRBio-01: Quais as principais contradições observadas no texto da norma?

Mara Cristina: Observamos que muitos artigos são contraditórios. Citarei somente alguns pontos, pois são muitos. Ressalto que essa avaliação técnica foi realizada com a participação de técnicos de zoológicos e pesquisadores.

a) Quando se consideram ações e metas de conservação, não se faz distinção entre espécies nativas ou exóticas, em especial as que constam em listas nacionais ou internacionais de ameaças;

b) Os artigos não contemplam na sua totalidade as atividades realizadas pelos Zoológicos e Aquários e afrontam o que determina o Art. 2º da Lei 7.173/83, que dispõe que “Para atender a finalidades socioculturais e objetivos científicos, o Poder Público Federal poderá manter ou autorizar a instalação e o funcionamento de jardins zoológicos”;

c) Proibição de captura de animais na natureza: esta proibição já é prevista na Legislação federal; entretanto, cabe ressaltar que esta prática não é utilizada pelos Zoológicos há muitos anos. Os Zoológicos possuem papel fundamental na conservação da biodiversidade quando se considera o manejo integrado de populações e a sua sustentabilidade por meio dos programas de conservação entre associações de Zoológicos, ONGs e outras entidades de conservação.

Cabe também esclarecer que, para determinadas espécies em risco de extinção, sejam quais forem as pressões antrópicas ou por meio de eventos estocásticos, são necessárias e urgentes ações de conservação sob cuidados humanos para que estas possam sobreviver, dado o risco de extinção por sua incapacidade de sobreviver sem a integração de esforços in situ e ex situ.

Em casos muito raros e específicos, uma eventual captura de animais da natureza seria perfeitamente justificada seguindo preceitos éticos, científicos e legais por meio de autorizações emitidas pelo ICMBIO e demais autoridades frente à apresentação de projetos de conservação, assim como para fins de pesquisa, cujos resultados revertem-se de fato na conservação da espécie.

d) Não receber animais oriundos de captura na natureza: como ficam os milhares de animais órfãos, acidentados e doentes resgatados ou vítimas da construção de empreendimentos de grande impacto os quais não podem ser translocados? Quais seriam as opções de destinação de outros empreendimentos de fauna compreendidas na Instrução Normativa do IBAMA nº 07/2015 e na Resolução Conama nº 489/2018, como Cetas e CRAS, para os animais que não podem ser devolvidos ao seu ambiente natural? A proposta não oferece alternativas.

A proposta vai contra uma das mais importantes funções dos Zoológicos, contra o bem-estar animal e contra a conservação. Além disso, é absolutamente incompatível com o artigo 1º do próprio PL, revelando mais uma contradição.

e) Zelar pela não reprodução dos animais: A função fundamental de conservação implica na reprodução, é o que preconiza a Resolução Conama nº 489/2018 no capítulo II, Art 4 º, X: “zoológico ou jardim zoológico: empreendimento de fauna com finalidade de criar, reproduzir e manter espécies da fauna nativa e exótica, em cativeiro ou em semiliberdade, expostas à visitação pública”.

Os Zoológicos e Aquários são locais de manutenção de “populações de segurança” para conservação; neste contexto, a manutenção e reprodução da fauna nativa e exótica caracterizam-se em estratégia global de conservação ex situ mundialmente reconhecida e recomendada.

A manutenção de populações de segurança nos Zoológicos é baseada em critérios fundamentados e documentados nos diversos programas, como os de conservação, de controle e de acompanhamento reprodutivo das populações, de bem-estar, entre outros, portanto.

Por outro lado, a reprodução nos empreendimentos não é um evento aleatório, sem qualquer finalidade, mas, muito pelo contrário, é controlada e, em muitos casos, feita sob supervisão de um studbook keeper, que é responsável por manejar as subpopulações em cativeiro como uma única grande população de forma a garantir a sua manutenção e vitalidade genética em longo prazo.

Além de ir contra a Resolução Conama nº 489/2018, também é uma contradição insuperável com relação ao artigo primeiro do próprio projeto de lei.

Não se faz conservação sem reprodução. As diretrizes propostas são contraditórias em relação às funções dos Zoológicos. A reprodução dos animais é necessária para dezenas de programas de conservação em andamento, bastando citar o acordo entre o ICMBio e a AZAB no que tange à conservação de espécies ameaçadas no Brasil, onde os Zoológicos e Aquários possuem um papel fundamental neste processo.

Não se faz conservação no Brasil sem os Zoológicos, como já bem estabelecido pelo Governo Federal em acordos onde os empreendimentos na cidade de São Paulo desenvolvem um papel central. Assim, esta diretriz atenta frontalmente contra a conservação animal.

CRBio-01: O prejuízo é grande mesmo com a exceção às proibições de recepção de animais e de reprodução (quando se tratar de programas de apoio a animais apreendidos ou entregues voluntariamente ou, também, de conservação de espécies nativas ameaçadas de extinção)?

Mara Cristina: Não se pode fazer distinção entre programas de conservação de fauna nativa ou exótica, pois a conservação acontece em nível global. Não apenas espécies já listadas como ameaçadas necessitam de programas de reprodução, uma vez que algumas espécies podem mudar sua categoria de ameaça rapidamente, antes de serem atualizadas as listas, como foi o caso dos Bugios no sudeste do Brasil, cujas populações foram grandemente reduzidas em virtude da febre amarela entre 2017 e 2018.

A esperança para a sobrevivência da espécie em várias regiões, felizmente, são as populações presentes nos Zoológicos e Aquários, onde podem ser reproduzidas e reintroduzidas.

Ademais, a proposta não faz mais distinção a que animais os empreendimentos podem receber, pois podem ser enquadrados animais domésticos, como cães e gatos. Além disso, desconhece-se o que o texto da proposta quer dizer com “programas de apoio a animais apreendidos”, alterando a atividade-fim dos empreendimentos, sendo uma interferência indevida e injustificada do Estado em empreendimentos legalmente autorizados há décadas e que cumprem expressiva e relevante função pública social e de conservação, além de colocar os empreendimentos de São Paulo em um limbo jurídico frente a acordos já estabelecidos nacional e internacionalmente.

CRBio-01: Qual a sua opinião a respeito da substituição da proximidade física com os animais pela realidade virtual?

Mara Cristina: Esta é uma forma velada de propor a extinção dos zoológicos (o que é negado na justificativa do projeto de lei), não atendendo as finalidades propostas na Lei 7.173/83 e na Resolução Conama nº 489/18, sem propor nada comprovadamente melhor, que contribua para a conservação ou com mais qualidade em troca.

Não há qualquer menção na literatura técnica ou científica de que atividades de realidade virtual possam substituir as experiências reais. Isso colocaria os empreendimentos de São Paulo na contramão das melhores práticas feitas no planeta.

Os Zoológicos e Aquários, ao redor do mundo, atraem cerca de 700 milhões de visitantes ao ano, e os empreendimentos de São Paulo e no Brasil, nos últimos 5 anos, atraíram nada menos que 30 milhões de visitantes. Estes números, por si só, atestam a importância e o reconhecimento destes locais como importantes para a população, que os frequenta em busca de uma conexão com o mundo natural e com a educação e sensibilização ambiental, algo comprovadamente impossível de ser realizado em ambiente virtual.

Não existem estudos no mundo que indiquem que a experiência virtual é superior à experiência real e a proposta não apenas muda arbitrariamente e sem qualquer justificativa a função dos Zoológicos e Aquários, mas também tenta promover uma prática cuja eficácia não encontra respaldo na literatura.

CRBio-01: Há projetos de criação de novos zoológicos ou aquários na cidade que serão inviabilizados com a aprovação da norma?

Mara Cristina: No município de São Paulo, há 5 instituições de relevância e que exercem um papel importante, não somente nos valores apontados de conservação, pesquisa e educação ambiental, mas na geração de recursos para o município e na manutenção de empregos diretos e indiretos. No momento, não temos conhecimento da solicitação de abertura de novos zoológicos ou aquários no município.

CRBio-01: Existe alguma norma semelhante em outras cidades ou países?

Mara Cristina: No Brasil, não há nenhuma norma semelhante a esta e, em outros países, as regras seguem diretrizes locais as quais podem ser distintas das brasileiras.

Entretanto, cabe informar que, juntamente com a AZAB (Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil), a APAZA encaminhou uma nova proposta de lei federal bastante robusta, a qual atende a este novo papel dos zoológicos e aquários. Trata-se da proposta que transforma os zoológicos e aquários em Centros de Conservação da Fauna.

Acesse o texto do Projeto de Lei nº 30/2019 clicando aqui.

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